quinta-feira, 12 de março de 2015

curtir, j'aime, like...

Resumo: O poder que damos às redes sociais é o mesmo poder que elas têm sobre nossas vidas. Saibamos quando e como utilizá-las para que maiores problemas pessoais não sejam criados de forma desnecessárias em nossas vidas. Aproveitemos o tempo junto com amigos sem sair de casa, a torcida pelo jogo sem ir ao estádio, mas tenhamos consciência de que somos seres diferentes acima de tudo.



Com tantas coisas por fazer, acordamos e a primeira coisa que fazemos é pegar o celular e procurar por novidades. Principalmente nas redes sociais. É fácil, nos tira da cama sem termos que nos levantar de verdade. E o tempo se perde como em um vortex onde é impossível explicar como 40 minutos se passaram se acordamos há 2 minutos. Afinal, por quê damos atenção para coisas que não vão mudar em nada nosso dia?
A busca pelo pertencimento a um grupo, pela identificação com outras pessoas, nos faz aguardar ansiosamente por curtidas, likes e “J`aimes”. Compartilhamos fotos em troca de algum reconhecimento alheio por nossas rotinas, geralmente sem graça e, no intuito de sermos curtidos, até que muitas vezes optamos por fazer algo diferente, como uma refeição mais saudável ou uma comida japonesa. Reproduzimos aquilo que está na moda para compartilharmos: Viagens à Europa, ajuda humanitária, academia, conquistas pessoais, comidas exóticas, comidas saudáveis, amanhecer e pôr do sol no Arpoador.
Por quê não compartilhamos nossos copos de leite de manhã? Simplesmente porque queremos encontrar um pertencimento a um grupo. E esse grupo tem que ser especial. Ninguém quer fazer parte do grupo que bebe leite. Aliás, esse grupo nem existe. Mas mostrar que batalhamos por acordar cedo e malharmos pesado, nos coloca em um grupo seleto de pessoas saudáveis. Não é difícil ficar em casa vendo televisão. Por isso acho que nunca compartilhamos uma foto deitados no sofá em casa vendo televisão. Isso não nos faz especiais. Desde pequenos, fazer parte de um grupo nos tornava especiais. Alguns faziam até um teste para nos admitir ou não no grupo. No filme, “Os batutinhas”, conseguimos ver isso com clareza e com boas risadas.
Queremos fazer parte do grupo que aguenta comer peixe cru e que ama isso de verdade, do grupo dos que trabalham de madrugada, do grupo dos que não estudam e tiram nota boa, do grupo que vai no outback, do grupo que é flamenguista, vascaíno, botafoguense ou tricolor, do grupo da Dilma ou do Aécio, da esquerda ou da direita e o mais legal: do grupo que aguenta a dor da tatuagem. Quanto maior, melhor!
 Na verdade, a cada coisa que compartilhamos, buscamos a identificação com outras pessoas e estas, nos fazem nos setirmos pertencidos e aprovados pela sociedade. Por isso que ficamos felizes com muitos likes, curtidas e “J`aimes”, aliás, usar o Facebook em outra língua, já faz de mim uma pessoa especial, não? Por isso me refiro às curtidas em três línguas. Isso não é legal?
A busca incesante por likes ou pela aprovação do mundo não faz de nós, nós mesmos. Muitas vezes recorremos a fotos de frases feitas com o uso de imagens associadas à comédia, como o Chapolin Sincero ou Clarice de TPM, páginas de grande número de curtidas, para nos expressarmos sem sermos julgados por nossas opiniões grosseiras e mau humoradas. Jogamos a indireta, fazemos a piada e a culpa não foi nossa. Passamos então, a pertencer ao grupo daqueles que acharam graça da foto irônica. Quanto mais nos sentimos identificados com outras pessoas, mais utilizamos a rede social e, aqueles que não se identificam com os grupos já estabelecidos, precisam publicar que estarão se ausentando da rede, em um último suspiro à espera de aprovação por algum grupo, nem que seja o grupo dos insatisfeitos com a rede social. Isso é triste. Desperdiçamos tanto tempo de nossas vidas tentando nos sentir acolhidos e, quando não conseguimos nos encaixar aos grupos propostos pela própria sociedade nas redes sociais, nos isolamos daquilo que está presente na vida de todos ao nosso redor, todos os dias.
Não entendermos alguma piada que ficou famosa na internet ontem, não ficarmos por dentro da fofoca que explodiu semana passada e que, hoje, todos opinam sem parar, da foto da Paola Oliveira, nos deixa mais isolados ainda e, tentamos voltar silenciosamente à rede sem anunciar: Ei! Me arrependi e voltei! Oláá? Isso não nos torna especiais.
Engraçado como nos tornamos crianças vulneráveis novamente... Talvez estejamos todos sendo vítimas de problemas psicológicos da nova geração. Estamos compartilhando nossas vidas com firma reconhecida praticamente, para que todos saibam onde estivemos e para onde vamos. E ninguém nos pede isso. Damos informações a nosso respeito de graça e facilitamos o trabalho de quem quer saber de nossas vidas. Se daqui a alguns anos quisermos mudar de opinião, nosso perfil na rede social comprova que já pensamos diferente. Se casarmos com outras pessoas, teremos que apagar nosso passado em fotos e mensagens, para evitar problemas de comparações desnecessárias. Se estivermos nos candidatando a um emprego, aquele xingamento ao outro time ontem, sem nenhum resquício de educação, poderá estar sendo observado pela equipe avaliadora para tentar entender nosso perfil psicológico antes de nos contratar. Nos colocamos em prateleiras à venda por aprovação ou desaprovação e nem percebemos o impacto que isso pode ter em nossas vidas.
Queiramos, então, nos esforçar para pertencermos ao grupo de pessoas sãs, que não se importam se recebem poucas ou muitas curtidas, que não se importam em ficarem tristes de vez em quando, que perdem empregos e oportunidades, e que entendem que isso é perfeitamente natural do ser humano. Que ficam em casa o dia todo com preguiça e sem a necessidade de mostrar que fizeram algo grandioso e espetacular naquele dia. E que não ficam tirando selfies em qualquer lugar que vão, somente para se sentirem pertencentes ao grupo que chama auto-retrato de selfie. Tentemos ser pessoas que não dependem tanto da aprovação de todos (o que é impossível) e busquemos as realizações que importam para nós mesmos e não para o mundo. Busquemos de volta nossas particularidades, pois são elas que nos tornam especiais de verdade, e tiremos mais tempo para refletirmos sobre nós mesmos ao invés de ficarmos comparando nossas vidas com as vidas de outras pessoas, que possuem características tão diferentes das nossas, que não faz sentido querermos ser parecidos com elas. Exercitemos nossa auto-estima para que não dependamos tanto da opinião dos outros e voltemos a ser especiais porque somos nós mesmos. Eu sou especial porque me sinto realmente feliz em casa, sem sair à noite para boates e sem beber. Sou especial porque gosto de frio e um bom café debaixo da coberta, vendo filmes. Sou especial porque tenho preguiça de pegar ônibus para sair de casa com calor. Sou especial porque não ligo para carnaval e porque vou ao cinema sozinha. E na minha forma de ser especial, volto a pertencer a grupos de pessoas parecidas comigo e passo a receber a aprovação delas. De forma natural e espontânea e sem precisar mostrar ao mundo que isso tudo é especial.

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